A VIDA ESPIRITUAL: SUAS CONDIÇÕES E
ARMADILHAS
SWAMI SHRADDHANANDA – DO LIVRO
“SEEING GOD EVERYWHERE”
O
sutil amplo, antigo caminho me tocou. Eu próprio o realizei. Através dele os
conhecedores de Brahman – também vão para as esferas
sagradas depois da decadência do corpo, sendo libertados enquanto vivos.
O “antigo caminho” –
um caminho se estendendo da humanidade para Deus – não pode ser comparado à
auto-estrada americana sem escalas. Este sutil caminho interior tem muitas
paradas e graus. Em alguns trechos é plano e suave e em outras regiões passa por
difícil lama e terreno cheio de pedregulho. O seu curso pode passar por
deslumbrantes trechos de um deserto ou ao longo de curvas fechadas e íngremes
de montanhas escarpadas. A despeito de todos os obstáculos, precisamos viajar
ao longo deste antigo caminho que leva a Deus.
Afortunadamente, há
paradas para descanso ao longo do caminho que estão equipadas com combustível
para reabastecimento, mapas de estradas e guias. Os guias são viajantes
experimentados que nos irão dar indicações corretas e nos assistir em chegadas
seguras.
Este antigo caminho
de espiritualidade é iluminado por esperanças auspiciosas mas
também vem acompanhado de negras armadilhas. É uma difícil
mas gloriosa estrada para ascender. Aqueles que tiveram sucesso nos
encorajam a proceder com paciência e cautela e nos advertem a nunca ignorar as
instruções. Eles asseguram que podemos alcançar o objetivo; podemos conhecer a
Deus na vida atual.
As estradas
principais e os desvios de uma vida comum andam em círculos; elas parecem levar
a lugar algum. Quando uma mente buscadora descobre que a existência mundana é
somente um moinho movimentado pelo esforço humano e que as ocupações mundanas
são fúteis, a chama da investigação espiritual é acesa. O medo da morte, a
esperança de Deus, o intenso desejo de compreender o mais profundo sentido do
amor de Deus, e um incansável anseio pela verdade, tudo nos instiga a aspirar o despertar espiritual.
O que é a vida espiritual? Uma vida centrada
em Deus. Ela não é uma vida incomum. De acordo com as atitudes que
desenvolvemos e a maneira como vivemos, nossa vida na terra pode ser espiritual
ou não espiritual. Somos divinos quando o Divino entra em nossos pensamentos,
ações, desejos, emoções e aspirações. Então Ele não fica distante ou teórico,
mas um Deus vivo que guia nossas vidas. A primeira
armadilha, portanto, na senda de Deus é a confusão sobre o sentido da vida
espiritual. Vida espiritual é, em essência, realizar a divindade que está em
nós e manifestá-la em nossa vida diária. Alguns requisitos básicos são
necessários para uma efetiva e profunda vida espiritual. Primeiro precisamos
ter a fé de que o objetivo que procuramos, de fato existe. Há uma suprema e
imutável Verdade – a Realidade que é o alicerce e o poder operativo de tudo que
existe. Devemos acreditar que por trás do fluxo deste mundo existe uma
inteligência cósmica, o amor e a unidade que é Deus.
Embora difícil de
ver em um estágio inicial da jornada, é necessário acreditar que Deus pode ser
experimentado aqui e agora. Ele é o supremo objeto de nosso amor; Ele é nosso
eterno amigo e companheiro. De alguma forma devemos desenvolver e fortalecer esta fé.
Tomemos um exemplo:
Jesus Cristo caminhou na cidade de Jerusalém, ensinando e consolando pessoas e
dessa forma mudando as suas vidas; foi em Jerusalém que as cenas finais de sua
vida foram desempenhadas. Cristãos cheios de fé de qualquer
parte do mundo tem a esperança de visitar a Terra Sagrada, mas embora
possam não tê-la visto, eles nunca negam a sua existência. Eles sabem que
muitas pessoas foram a Jerusalém. Da mesma forma, enquanto seguimos a senda
espiritual, mantenhamos a confiança de que embora Deus não seja visível, Ele
está a apenas uma pequena distância de nós. Ele pode ser vivenciado – como
muitos homens e mulheres afortunadas descobriram através todos os tempos.
A natureza de Deus é
infinita. Ele se manifesta de maneiras infindáveis, fazendo
portanto com que Suas manifestações sejam múltiplas. Ele é impessoal –
sem um nome ou forma – ou pessoal – com nome e forma. Ele pode se tornar um avatar, uma encarnação divina, como Rama, Krishna, Jesus Cristo e Buda. Não deveríamos ser dogmáticos
sobre a natureza de Deus. Permita que cada um tenha a sua concepção de Deus. Os
Upanhishads nos dizem que Brahman
é tanto saguna, ou seja, com atributos, e nirguna, sem
atributos; podemos vivenciar Deus em ambos os níveis.
A segunda armadilha
é a falta de fé. Como podemos adquirir fé? Os instrutores espirituais
respondem, “Por intermédio de companhia santa.” Precisamos procurar aqueles que
vivem em comunhão direta com Deus. Podemos testemunhar em suas vidas a prova do
conhecimento e amor ilimitado de Deus. Nossas frágeis noções acerca de Deus se
avivam pela companhia santa.
Companhia santa
também inclui a leitura de escrituras sagradas de todas as religiões; elas são
o registro das experiências espirituais diretas de homens e mulheres sagradas.
Quando lemos os Upanishads, o Bhagadad Gita, a Bíblia, o
Alcorão, e os livros sagrados de todas as religiões vislumbramos um
lampejo das verdades espirituais. Eles falam de alegria, paz e força da vida
espiritual. Quando lemos esses relatos nas escrituras a nossa fé cresce.
Um
outro tipo de fé também é necessária: a fé em
nós mesmos. Swami Vivekananda
disse, “Primeiro desenvolva fé em você mesmo, então a fé em Deus virá.” A
dúvida é uma armadilha séria ao longo do caminho, um grande obstáculo na vida
espiritual. Ela limita nossas capacidades; devemos nos livrar dela.
Uma mente
individual, o corpo, a energia tem limites, mas poder e conhecimento podem ser
desenvolvidos. Há grandes potencialidades profundas dentro dos recessos da
mente. Todos temos um discernimento oculto, uma
intuição, por meio dos quais podemos nos elevar ao nível espiritual e
eventualmente alcançar o propósito último da vida, a realização de Deus.
Deveríamos, portanto, ter sempre o cuidado de nutrir a nossa fé, tanto objetiva
e subjetivamente.
Um interesse vivo e
amoroso na vida espiritual é um requisito essencial. Uma atitude alegre,
entusiástica, enquanto se segue ativamente as instruções dadas pelo mestre
espiritual, é necessária para evitar as armadilhas ao longo do caminho. Uma
atitude alegre e entusiástica também desenvolve a pureza de caráter. Em
verdade, o Ser, a essencial verdade de nossa natureza, é sempre pura. Ele é uma centelha do Divino. Até que realizemos a
divindade interior, naturalmente cometemos erros, mas esses erros indiretamente
nos auxiliam na busca de Deus. Jamais deveríamos remoer sobre esses erros. Uma
atitude sadia é ser cauteloso e decidir não cometer os mesmos erros novamente.
Enquanto nos purificamos, menos probabilidade temos de
cometer erros e nos perder no caminho, com menos probabilidade de cair em
armadilhas. Desenvolvemos uma atitude de renúncia, e cada vez mais sentimos a presença de Deus em nossos corações e mentes.
A renúncia é uma
atitude espiritual. Não é a deserção do lar, da família, dos filhos, da
educação ou do trabalho. Antes, a renúncia é um alegre descaso por apegos
indesejáveis pelo amor a Deus. O coração será purificado com o desenvolvimento
dessa atitude. Como afirmou Jesus, “Abençoados os puros de coração, pois eles
verão a Deus.”
As pessoas
normalmente são muito apegadas a seus egos, e pensam,
“eu sou uma pessoa muito importante.” Há algum prazer nesse sentimento egoísta,
mas quando chegamos à vida espiritual devemos abandonar esse falso prazer. O
egotismo em demasia obstrui a nossa vida espiritual. Desde que não podemos
abandonar esse ego completamente, ele deve ser espiritualizado.
Para alcançar isso,
devemos assumir o
compromisso de realizar várias práticas espirituais. A prática regular da
meditação, a oração, a repetição do nome de Deus ou mantra, a contemplação, e
estudos espirituais são extremamente necessários. Somente buscadores sérios e
determinados serão bem sucedidos: aqui não existe espaço para trivialidades.
Não seguir uma rotina espiritual regular é uma séria armadilha. A qualidade de
nosso esforço nessas práticas determina a natureza e desenvolvimento de nosso
progresso. Ninguém pode ter êxito sem a prática e a perseverança.
Devemos evitar a
armadilha do desespero e da confusão através a procura de orientação por parte
de pessoas experientes. O conselho delas, em adição às escrituras sagradas, é o
nosso “mapa da rodovia.” Cada fase da vida, prática ou espiritual, requer
orientação. Assim, para seguir ao longo da rodovia com segurança, é uma atitude
inteligente parar de vez em quando para obter instruções de um guia
experimentado em vez de avançar às cegas. Excessivo orgulho a respeito de nós mesmos
ao lado de uma relutância, má vontade, para aprender é um empecilho.
Outra armadilha é a
nossa impaciência. Depois de ouvir ou ler a respeito das bênçãos da vida
espiritual ficamos impacientes para ter essas experiências imediatamente!
Praticamos um pouco de meditação por uma semana ou duas; nada de importante
ocorre, e nos sentimos frustrados. Surge então a dúvida e impacientemente
afirmamos, “oh, vamos experimentar outro método.” A impaciência é uma atitude
errada e traiçoeira armadilha. Sri Ramakrishna costumava dizer que se você quiser abrir um
poço, você deve cavar em um certo local, e deve cavar
cada vez mais fundo nesse lugar. Depois de receber instruções apropriadas de um
instrutor espiritual experiente, devemos continuar nossa prática espiritual com
grande dedicação e persistência.
Nosso interesse na
vida espiritual deve ser genuíno e profundo, e não superficial ou frívolo. Uma
mente superficial não pode aderir ao que quer que seja com consistência. A
pessoa pode ter uma pequena experiência espiritual e então pensar, “Bem, isso é
suficiente.” Mas essas pessoas apenas estão enganando a si próprias.
Nossa busca
espiritual não pode ter sinceridade e profundidade se
permanecemos apegados aos prazeres dos sentidos. A mente permanecerá nos
níveis de tamas e rajas, conduzindo-a agitadamente
para as circunstâncias externas. A ausência de autodomínio é outra armadilha e
deveríamos tornar regular a prática da vigilância sobre os sentidos. Com a
serenidade de satva, os sentidos podem ser subjugados
e aquietados pelo desenvolvimento do autodomínio.
A vigilância pode
ser alcançada pelo afastamento dos sentidos e procurando separar-nos deles.
Podemos observar os sentidos entrando em contato com o exterior como tentáculos
se estendendo em todas as direções, fixando-se nesse ou naquele objeto,
impelidos por sucessivos desejos, e depois retornando para o depósito da mente.
Por meio do conhecimento dos movimentos da mente, podemos filtrar os
pensamentos e idéias não espirituais antes que impressionem e contaminem a
mente. Podemos evitar armadilhas pela observação do que está se aproximando da
mente por meio dos sentidos.
Outra armadilha é a
argumentação fútil, ou seja, o excessivo intelectualismo. A vida espiritual não
consiste de palavras; ela é a própria experiência espiritual de cada um. Quando
realizamos algum curso superior em filosofia religiosa, buscamos informação,
motivos, idéias necessárias para escrever um artigo ou um livro. Mas para nossa
própria experiência pessoal, não necessitamos de muita informação ou
argumentação.
Quando essas
práticas espirituais se tornam uma parte integral de nossas vidas, e quando um
progresso perceptível se fizer observar, uma armadilha particular deve ser
evitada: o ressurgimento daquele vilão – o ego fútil! Esse ego vai surgir, assumir a tribuna, solicitar aplauso e reivindicar:
“Eu sou uma pessoa notável! Todos observam o quão especial eu sou.” Deveríamos
estar de prontidão contra essa espécie de egotismo.
Esses são alguns dos
bloqueios, dos obstáculos que podemos prever ao longo do caminho espiritual.
Estejamos conscientes de que essas armadilhas existem, mas não precisamos ficar
receosos. Precisamos apenas ser cautelosos e estar preparados. Se a nossa fé é
intensa e somos humildes, sinceros e pacientes, não precisamos temer qualquer
armadilha. O caminho espiritual é um caminho seguro. Ele nos conduzirá ao nosso
destino, Deus – mesmo nesta vida.